— Ria, ria. Vocês homens são todos iguais; não acreditam — Ela errou, disse Júnior, com ar de deboche. Mas depois pegou nas mãos de Patrícia e disse o quanto gostava dela e que não era preciso ficar preocupada e, quando tivesse duvidas, ele mesmo iria ler a mão da amante e dizer-lhe do futuro. O jovem rapaz disse ainda que era perigoso demais ficar procurando esse tipo de gente, pois Pedro poderia descobrir tudo. — Ele não vai saber de nada, eu fiz tudo — Onde te atendeu essa cigana? — Aqui perto, na Praça Tamandaré, eu cuidei para ver se nenhum conhecido passava por nós. Júnior riu outra vez: — Tu acreditas mesmo nestas besteiras? Ela disse que sim, e que ele também tinha que acreditar. Mas o amante, com o passar dos anos foi esquecendo todas as crenças e misticismos que sua mãe lhe passou quando criança e agora, não lhe cabia acreditar em tais besteiras. No entanto, ficou quieto pra não deixa - lá triste. Após essa conversa separam-se, cada um foi por uma das ruas do centro, para não levantar suspeitas, ambos estavam felizes, ela satisfeita pelas palavras da cigana, ele satisfeito por ela provar o quanto gostava dele. Pedro, Júnior e Patrícia, três nomes, uma aventura que vamos contar agora. Os rapazes eram amigos desde guri, sempre andavam juntos e mesmo depois que Júnior foi estudar jornalismo, — É você? exclamou Patrícia, estendendo-lhe a mão. Não imagina como meu marido é seu amigo; fala sempre de ti e me diz que foram os melhores amigos quando eram piazitos. Pedro e Júnior olharam-se com carinho e se abraçaram. Depois, Júnior disse para si mesmo que a mulher de Pedro não desmentia as cartas do marido. Realmente, era muito linda a Patrícia, com um corpo de fazer qualquer homem balançar e, mais ainda, sabia lidar com as palavras. Isso ele pode comprovar com a convivência que passaram a ter os três, todas as semanas, quando se encontravam para ir a um barzinho, tomarem um chopp, ou simplesmente sorver um chimarrão na praça. É certo que cada vez mais Patrícia e Júnior se aproximavam, mas não deixavam transparecer nada além de uma bonita amizade. Por estar praticamente sozinho na cidade, pois seus pais haviam falecido a algum tempo, o jornalista Júnior se tornou visitante assíduo da casa do casal e, claramente, tinha outros interesses. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado dela. E não havia mais como fugir daquela paixão devastadora. Ainda que a amizade com Pedro continuasse a mesma e este nem desconfiava de nada. Um dia, porém, Júnior recebeu uma mensagem de celular sem destinatário, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que todos sabiam das “escapadinhas” dele e da amante. Júnior teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Pedro, também a não atender o celular, quando este lhe ligava e não responder as mensagens do orkut ou msn. Porém, o rapaz recebeu mais duas ou três cartas e temia que a pessoa anônima fosse falar com o “amigo”. Daí a algum tempo Pedro começou a mostrar-se esquisito, falando pouco, com ar de desconfiado. Patrícia achava que Júnior devia voltar a visitá-los, a sair com eles nas festas. Mas ele achava que não, que deviam ter cautela e se cuidar, afinal de contas, as notícias andam e se alguém soubesse do envolvimento deles, isso seria o “fim da picada”. No dia seguinte, recebeu Júnior uma mensagem do “telefone do Pedro”: "Preciso bater um papo contigo urgente, por favor, meu amigo, venha até nossa casa.” Júnior ficou com muito medo, mas resolveu ir até a casa de Patrícia, pois poderia ser que ‘nem fosse nada demais”, o amigo só devia estar querendo saber os motivos da ausência dele na cãs, nas festas, nos encontros que costumavam fazer todas as semanas. E lá foi ele, pensando a todo momento nas palavras do torpedo. E decidiu ir naquele momento mesmo. — Quanto antes, melhor, pensou ele; não posso ficar pensando besteiras, desse jeito vou ficar louco. Júnior pegou o primeiro ônibus que passou em frente a sua parada e foi. Então, reclinou-se no banco para não prestar atenção em nada, mesmo porque, a cada momento, as palavras do tal torpedo surgiam em sua mente. A agitação dele era grande. Eis que não muito longe de sua parada, justamente em frente à Praça Toqueto, um acidente gravíssimo interrompeu o transito e eis que carro algum tinha permissão para passar, muito menos ônibus. Daí a pouco estaria removido o obstáculo. Júnior fechava os olhos, procurava não pensar, mas seus pensamentos o levavam sempre ao mesmo lugar, às mesmas pessoas. Porém, olhando para a praça, avistou uma cigana, só poderia ser uma cigana, pela roupa que estava usando e pelo modo que abordava as pessoas que passavam. Eis que naquele impasse de esperar os policiais liberar o transito, não se aguentou. Quando percebeu, estava na calçada, próximo da mulher, próximo da sortista. Júnior disse que ia consultá-la, ela pegou sua mão e lhe disse exatamente as palavras que ele queria ouvir: — Vejamos primeiro o que é que o traz até mim. O rapaz está assustado e amedrontado... Júnior fez um gesto afirmativo. — E quer saber, continuou ela, se tu vai ter problema ou não... A sortista não sorriu; disse-lhe só que esperasse. Pegou a mão do rapaz com cuidado novamente e lhe disse-lhe: — As cartas dizem-me que nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era indispensável mais cuidado; ferviam invejas e pessoas faladeiras. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Patrícia... Júnior estava deslumbrado, pois a mulher havia lhe restituído a paz de espírito. Por fim, perguntou a cigana quanto lhe devia e ela disse que devia dar aquilo que seu coração mandava. Júnior tirou uma nota de cem reais, e deu a ela. Os olhos da mulher fuzilaram. O preço usual era dez reais. E lá se foi ele, cantarolando, embarcar no ônibus que estava estacionado no mesmo lugar, devido ao acidente. E logo o transito foi liberado e ele pode seguir caminho. Em pouco tempo, chegou à casa de Pedro. A casa estava silenciosa. Subiu os seis degraus, e mal teve tempo de bater, a porta abriu-se, e apareceu-lhe Pedro. — Desculpa, não pude vir mais cedo; que aconteceu meu amigo? Pedro não lhe respondeu; parecia abatido; fez-lhe sinal, e foram para uma sala interior. Entrando, Júnior não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre a poltrona, estava Patrícia morta e ensangüentada. Pedro tentou pega-lo pela gola, mas ele foi mais ágil e antes que o outro lhe mirasse o revólver, ele tomou a arma das mãos do amigo e lhe atirou. Após acertou um tiro em seu próprio tórax, pondo fim a uma história de amizade, de amor e de angustias. Fonte: A cartomante, Machado de Assis. |
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Grupo adorei a releitura de A Cartomante. Ficou muito legal ler os detalhes, que descrevem nossa cidade vizinha Passo Fundo: a praça Tamandaré, a Praça Tochetto.
ResponderExcluirE o final ficou ótimo!
Abraços
Lisiane